O ENEM de Ciências da Natureza – análise e considerações

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Na última edição do ENEM alguns estudantes, antes de realizarem a prova, afirmaram estar indo ao encontro dos “quatro cavaleiros do apocalipse”: Biologia, Física, Química e Matemática. Brincadeiras à parte, esse tipo de comentário deixa nítida a preocupação dos alunos com a área das ciências exatas e naturais, tradicionalmente tida como pesada e de difícil compreensão.

Apesar de toda essa apreensão, a análise da prova das Ciências da Natureza revelou uma avaliação equilibrada, mesmo com o predomínio de itens de Biologia, tendo abordado conteúdos bastante variados dentro das três ciências, com um nível de dificuldade global mediano. Vale ressaltar que, embora contextualizadas, a maior parte das questões não prescindia do conteúdo conceitual.

A prova de Química foi a que se mostrou mais “conteudista” dentre as demais, apresentando questões longas e mais complexas. A de Biologia foi talvez a menos difícil, mas trouxe situações-problema mais contextualizadas, abordando temas que abarcaram especialmente a genética e a biologia celular. A disciplina de Física mostrou-se bastante diversificada em termos de assuntos, o que é positivo, mas trouxe muitas alternativas com respostas-pegadinha, que pretendiam fisgar os candidatos mais desatentos.

Essa prática não é ideal em termos de avaliação, pois o foco de uma avaliação não deve ser a desatenção, mas sim os conhecimentos e as habilidades realmente desenvolvidas pelo estudante.

Apesar de diversificado, o exame deste ano não teve um caráter marcadamente interdisciplinar: foi construído de forma mais focada nas divisões clássicas das disciplinas, trazendo, inclusive, alguns contextos artificiais e muito recorrentes ou “manjados”, como o visto na questão de cinemática.

É interessante notar, tendo por base a análise das questões, como é infundada a crença, difundida entre muitos educadores, de que as provas baseadas em avaliação de habilidades e competências são “fracas” em termos de conteúdo.

As questões propostas claramente se relacionam com as habilidades da Matriz de Referência do ENEM, e, ao mesmo tempo, longe de serem questões de pura interpretação de texto, exigem a mobilização de conhecimentos conceituais sólidos – sem os quais os acertos se tornam bastante improváveis. A presença de conteúdos conceituais nesse tipo de avaliação é lógica, se pensarmos que as habilidades a serem desenvolvidas no trabalho escolar necessitam de uma base teórica para se tornarem também objetos de aprendizagem. Deste modo, percebe-se que é incoerente desassociar habilidade e competência de conteúdo conceitual.

Finalmente, um aspecto muito importante dos programas de avaliação externa baseados em matrizes de habilidades é que os resultados da avaliação podem ser interpretados em termos de proficiência, por meio da construção de uma escala de proficiências, permitindo a comparabilidade dos resultados entre diferentes edições e entre diferentes anos escolares. E é aí que mora a beleza desse tipo de processo avaliativo: ele produz resultados que, mais do que retratos momentâneos de aprendizagens, podem ser utilizados de forma muito profícua no trabalho escolar pedagógico, auxiliando docentes e gestores na tomada de decisões sobre a formação e a trajetória educacional de seus estudantes.


Diego Mañas e Renata Mendes
Especialistas em avaliação

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