Por Tadeu da Ponte em Abril de 2021
O controle da honestidade intelectual em uma prova se dá em diferentes níveis, dependendo do quanto se deseja evitar de cola ou fraude entre os candidatos. A prova de vestibular é, certamente, aquela em que se deseja os níveis mais altos para este controle, assegurando que não haja cola.
Desde 1911, quando o primeiro vestibular foi aplicado no Brasil, as instituições que tradicionalmente o realizam evoluíram em sua capacidade técnica para aplicar fisicamente, por meio de papel e caneta, provas para milhares ou milhões de estudantes simultaneamente, monitorando por meio de fiscais munidos de um rígido roteiro o comportamento dos candidatos ao longo da prova. Este é o cenário ao qual estamos acostumados, mas vale o questionamento do título deste texto aqui também: é possível evitar cola no vestibular presencial?
Fraudes em vestibulares e em concursos públicos são raras, mas vez ou outra acontecem e acabam inclusive virando notícias na grande imprensa. E não é apenas no Brasil, em 2018 foi descoberto um amplo esquema de fraude no Swedish Scholastic Aptitude Test, uma espécia de ENEM da Suécia. O documentário Educação Americana: Fraude e Privilégio (Operation Varsity Blues: The College Admissions Scandal), lançado em 2021 pela Netflix, disseca como um orientador vocacional chamado Rick Singer enriqueceu promovendo o ingresso de filhos de ricas famílias dos Estados Unidos nas prestigiadas universidades do país por meio de uma fraudulenta “porta lateral” que ele inventou. No Brasil, já foram detectadas pela Polícia Federal esquemas envolvendo microcâmeras para transmitir informações da prova e pontos eletrônicos nos ouvidos dos vestibulandos para receber as respostas corretas diretamente de um grupo externo especializado em resolver todas as questões da prova. Essas quadrilhas inclusive infiltram pessoas como candidatos, também munidas de microcâmeras, simplesmente para transmitir questões ou até mesmo a resposta delas para a central da cola, que repassa o gabarito para seus clientes.
A cola no vestibular presencial no Brasil, tal como evoluímos nos últimos 110 anos, somente se dá com o uso de recursos tecnológicos sofisticados e com o apoio externo de especialistas. É impossível evitar a cola, investe-se sempre em torná-la cara e difícil, assim o caminho mais curto para os candidatos é o de estudar e se preparar.
O vestibular online precisa, portanto, ser desenhado para assegurar níveis de controle de honestidade intelectual similares, tornando a cola difícil e o preparo do candidato a condição necessária para a aprovação. Mas, como fazer isso se os candidatos fazem a prova de suas casas?
Em uma sala de aplicação no vestibular presencial um fiscal toma conta de 40 a 50 candidatos. No vestibular online, cada um pode fiscalizá-lo individualmente por meio de recursos tecnológicos também sofisticados. A webcam e o microfone são utilizados para capturar informações do ambiente em 100% do tempo de prova. Esta tecnologia é chamada em inglês de digital proctoring, ou seja, monitoramento digital da aplicação da prova. Os dados capturados pelo computador de cada candidato se avolumam em uma quantidade imensa de informações, para lidar com elas, utiliza-se inteligência artificial para detectar qualquer comportamento suspeito ou não permitido pelo edital da prova. Da mesma forma que no vestibular presencial, fiscais de prova observam os candidatos em uma sala virtual de aplicação de prova, recebendo as informações tratadas pela inteligência artificial, podendo tomar providências instantâneas se necessário. Os dados de imagens e áudios também são averiguados posteriormente à aplicação por técnicos que fazem uma auditoria de honestidade intelectual. Pois é, no vestibular online, tudo fica gravado, um candidato que infringiu alguma regra do processo pode inclusive ser eliminado depois do que a prova terminou.
O uso da tecnologia também permite a personalização da prova para cada candidato. Em uma prova de vestibular presencial, utilizam-se, no máximo, cinco modelos diferentes de prova. No vestibular online, é extremamente simples fazer um modelo para cada candidato. Uma prova de 50 questões, por exemplo, admite mais de um novendecilhão (1060) de combinações diferentes de ordens em que estes itens possam ser apresentados aos candidatos. Além disso, cada uma das questões pode ter parâmetros que modifiquem a resposta correta para cada candidato, esquema conhecido como “mesma questão, mudam apenas os números”. Isso torna, por exemplo, a estratégia de infiltrar outras pessoas na prova para capturar as questões, tal como nas fraudes tradicionais do vestibular presencial, uma abordagem inócua. Pode-se ainda utilizar um banco de questões, para que as questões respondidas por cada candidato sejam realmente diferentes. Neste caso, a tecnologia também permite balancear dinamicamente os modelos aplicados em cada candidato, garantindo que todos sejam avaliados com o mesmo nível de dificuldade.
Abre-se também espaço para métodos de coleta de respostas que não eram possíveis no vestibular presencial. Por exemplo, é possível que os candidatos sejam requeridos a responder questões oralmente. Isso pode ser utilizado para que a banca examinadora valide o desempenho dos candidatos, verificando se são capazes de explicar o que acertam.
No vestibular online e no vestibular presencial não é possível evitar absolutamente a fraude, mas em ambos é possível controlar a honestidade intelectual de modo que o processo seletivo seja válido, que o grande objetivo das universidades ao admitir novos alunos.
Por Tadeu da Ponte
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