A matemática e a equidade de gênero (parte 2)

Intelligent group of young school children all raising their hands in the air to answer a question posed by the female teacher, view from behind.jpeg

Na parte 1 deste post, destacamos o impacto dos estereótipos de gênero para o desempenho das meninas na Matemática. Neste texto, vamos nos debruçar sobre uma ideia estereotipada muito comum sobre a própria Matemática, que se entrelaça com os estereótipos de gênero e impacta ainda mais a representação feminina nessa disciplina. Vamos partir de uma pesquisa muito interessante, conduzida em 2015 por Sarah-Jane Leslie, da Universidade de Princeton, e por outros pesquisadores (Leslie et al, 2015). Eles questionaram 1820 professores e estudantes de pós-graduação de trinta disciplinas diferentes para avaliar quais fatores mais impactam a representação feminina e obtiveram dados bastante consistentes para sustentar a seguinte hipótese: as mulheres são sub-representadas em áreas cujos profissionais acreditam que o talento bruto e inato é o principal requisito para o sucesso, porque as mulheres são estereotipadas como não possuindo tal talento.    

Esses pesquisadores testaram essa hipótese e mais outras três hipóteses concorrentes, a saber:  

- quanto maior a exigência de determinada disciplina quanto à disponibilidade ou capacidade para trabalhar longas horas, menor a representação feminina;   

- quanto maior a seletividade de uma determinada disciplina (exigência acadêmica), menor a representação feminina;   

- quanto mais uma disciplina prioriza o pensamento abstrato e sistematizado em vez da empatia (vista como capacidade de perceber pensamentos e sentimentos das outras pessoas de forma perspicaz), menor a representação feminina.                  

Nenhum dos fatores presentes nas hipóteses concorrentes mostrou correlação significativa com a quantidade de mulheres nos cursos de pós-graduação nas disciplinas pesquisadas. Já a crença na necessidade de talento inato permitiu prever adequadamente a representação feminina.E onde a Matemática entra nisso? Sem muita surpresa, depois da Filosofia, a Matemática figura nessa pesquisa como sendo a disciplina em que mais predomina a crença na necessidade do talento inato. Dizemos que é “sem muita surpresa”, pois a crença de que se é ou não se é naturalmente dotado para a Matemática parece ser universal: está disseminada não apenas nas universidades, mas também na educação básica, em diversos países, inclusive no Brasil. É a crença no “dom para a Matemática”.                  

Jo Boaler, pesquisadora em Educação Matemática na Universidade de Stanford, salienta que essa é uma crença tão difundida quanto devastadora para a aprendizagem em Matemática. Ela usa duas expressões para denotar duas crenças distintas e opostas acerca da aprendizagem: mentalidade fixa e mentalidade de crescimento. Mentalidade fixa é aquela que reflete a crença na dotação inata, enquanto mentalidade de crescimento reflete a crença de que todos podem se desenvolver e aprender, a despeito das diferenças individuais de aptidão inata. Boaler ressalta que
as mentalidades têm importância crítica porque pesquisas demonstram que elas levam a comportamentos de aprendizagem diferentes, os quais, por sua vez, criam diferentes resultados de aprendizagem para os alunos. Quando as pessoas mudam suas mentalidades e começam a acreditar que podem aprender em níveis mais altos, elas alteram suas rotas de aprendizagem (Blackwell; Trzesniewski; Dweck, 2007) e aumentam o nível de suas realizações.” (2018, p. xii; grifo nosso)                

Um aspecto interessante da abordagem das pesquisas mais recentes é que não se trata de negar diferenças de aptidões inatas, mas de deslocar o foco para a maleabilidade dessas aptidões, ou seja, para a aprendizagem. E, obviamente, para engajar-se no aprendizado, é necessário confiar que ele pode dar resultados. Assim, ainda segundo Boaler, é essencial que professores de Matemática revejam suas crenças e colaborem para promover entre os alunos uma mentalidade de crescimento acerca do aprendizado da Matemática.                 

A partir das duas referências citadas, concluímos que a Matemática escolar pode contribuir para a promoção da equidade de gênero não apenas eliminando das aulas as mensagens estereotipadas sobre gênero (parte 1), mas também promovendo uma mentalidade de crescimento acerca da aprendizagem. Isso, como se vê, beneficia a todos, sobretudo, a grupos que estão sob a ameaça de estereótipos negativos.

 

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Aline dos Reis Matheus 
Diretora Educacional Academia Primeira Escolha

 

 

Referências:
BOALER, J. Mentalidades matemáticas: estimulando o potencial dos estudantes por meio da matemática criativa, das mensagens inspiradoras e do ensino inovador. Porto Alegre: Penso, 2018

LESLIE, S. et al. Expectations of brilliance underlie gender distributions across academic disciplines. In: Science, vol. 347, p. 262-265, 16 january 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.1126/science.1261375>

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