Parte 1 – O impacto da crise para a aprendizagem dos estudantes
A pandemia da Covid-19, em 2020, é responsável pela maior interrupção educacional já testemunhada no mundo. No início de abril, mais de 180 países haviam determinado o fechamento temporário das escolas, afetando 1,6 bilhão de crianças e jovens em todo o mundo (Azevedo et al, 2020; Engzell et al 2020; UNESCO, 2020).
A duração da situação de excepcionalidade varia em função das determinações sanitárias de cada país. Sete meses após o fechamento das escolas, o processo de retomada das aulas presenciais ainda é incerto. Boa parte dos educadores brasileiros trabalha com a perspectiva de que o ano letivo de 2021 será iniciado ainda com um modelo apenas parcialmente presencial.
Como alternativa de mitigação do impacto, grande parte das redes e escolas do mundo inteiro têm lançado mão de estratégias emergenciais de ensino remoto, com frequência incluindo o uso das tecnologias digitais de informação e comunicação, que, entretanto, têm acessibilidade desigual em muitos países, incluindo o Brasil, devido às condições socioeconômicas dos estudantes e das redes de ensino.
Nesse contexto, muitas dúvidas e incertezas se colocam e, nesta série de posts, abordaremos três delas.
Comecemos pela primeira questão.
Avaliar a provável perda de aprendizagem dos estudantes em função da crise é uma tarefa necessária, mas ainda bastante difícil. Importante porque, para além do planejamento dos professores e das escolas, uma crise dessa magnitude tem potencial para afetar o desenvolvimento social e econômico dos países, justificando o estabelecimento de diretrizes governamentais e até mesmo de políticas públicas específicas. Difícil em função de diversos fatores, entre eles:
Ainda assim, alguns estudos já buscam estimar o impacto da crise sobre a aprendizagem dos estudantes. Por exemplo, uma projeção publicada pelo Banco Mundial (Azevedo et al, 2020), em junho de 2020, estima que, em um cenário de 5 meses de fechamento das escolas, com ensino remoto medianamente efetivo, a perda na aprendizagem seria equivalente a 0,6 anos de escolaridade, ajustados pela qualidade. (Segundo dados do estudo citado, a média mundial de anos de escolaridade é 11,2. Mas, ajustando pela qualidade, essa média baixa para 7,9 anos. Dessa forma, a estimativa do impacto é que a pandemia reduza a média mundial de escolaridade para 7,3 anos.) Variando os parâmetros de tempo e de efetividade do ensino remoto, a perda pode ficar entre 0,3 e 0,9 anos de escolaridade.
Outro estudo, realizado na Holanda, aponta um cenário mais pessimista. Mas, no lugar de projeções, estimou a perda na aprendizagem analisando avaliações padronizadas de aprendizagem (aritmética, matemática, ortografia e compreensão textual) que foram aplicadas para 350 mil alunos holandeses de 7 a 11 anos. A pesquisa foi favorecida pelo fato de que já há alguns anos tais avaliações de aprendizagem vêm sendo aplicadas, neste país, e que o fechamento das escolas holandesas ocorreu durante oito semanas, exatamente entre as datas usuais de aplicação (fevereiro/março e maio/junho). Analisando a diferença na evolução da aprendizagem entre as duas aplicações, nos anos anteriores e em 2020, o estudo concluiu que o ensino emergencial remoto contribuiu pouco ou nada para aprendizagem, representando uma perda de cerca de 20% da aprendizagem esperada para o ano letivo, mesmo sendo as condições holandesas bastante favoráveis, quando comparadas às de outros países: apenas 8 semanas de ensino remoto, alta penetração de banda larga e ação rápida das autoridades com relação ao estabelecimento de diretrizes para a educação.
É claro que isso não significa que o ensino emergencial remoto praticado na Holanda – bem como em outros países – não tenha méritos, seja relativamente à aprendizagem, seja em relação a outras variáveis, muito mais difíceis de mensurar, tais como a manutenção dos vínculos entre professores e estudantes. Em especial, no aspecto da aprendizagem, é importante considerar que a suspensão total das atividades escolares poderia não apenas interromper o desenvolvimento dos estudantes, mas até mesmo fazê-los regredir. A mitigação também consiste em evitar essa regressão.
A perda estimada na aprendizagem esperada, entretanto, é muito relevante, sobretudo quando se observa que ela pode variar para diferentes grupos, afetando negativamente a equidade e contribuindo para a ampliação da desigualdade social. O estudo realizado na Holanda, por exemplo, concluiu que as perdas não são iguais para todos os estudantes, mas até 55% maior para aqueles oriundos de famílias de maior vulnerabilidade socioeconômica.
Com isso, fica clara a importância de aprofundar a avaliação do impacto da pandemia nos sistemas educacionais, para informar as políticas públicas da educação, a fim de frear os possíveis danos sociais, econômicos e humanitários decorrentes da crise instalada.
Qual o impacto da pandemia nos processos de ensino e aprendizagens dos seus estudantes? O que a sua escola está fazendo para mapear, conhecer, dimensionar e atuar, minimizando as suas consequências?
Na Parte 2 desta série de posts, discutiremos como fazer para descobrir não quanto, mas o que os estudantes aprenderam ou não em 2020, com vistas ao planejamento de 2021.
Conheça nossa avaliação diagnóstica da aprendizagem
Referências
Por Aline dos Reis Matheus e Antonio Bresolin
Academia Primeira Escolha