Por Tadeu da Ponte em Janeiro de 2018
Sempre que o assunto surge, há debates, com diferentes visões e opiniões, algumas bastante acaloradas. Parece-me, entretanto, que os educadores se posicionam basicamente de três maneiras, sobre a finalidade do desenvolvimento intencional e sistemático das habilidades socioemocionais na escola:
- Finalidade 1: “agradar” os alunos – que vem acompanhada do argumento que desmerece as habilidades socioemocionais, defendendo que não se desenvolva essa “frescura” de habilidades socioemocionais, pois “no meu tempo não tinha nada disso”;
- Finalidade 2: melhorar o desempenho escolar nas áreas de conhecimento – que vem acompanhada da premissa de que o propósito essencial da escola é fazer o aluno aprender a “matéria”, com argumentos do tipo “se faz o aluno ficar mais calmo e ir melhor no ENEM, então vamos em frente!”
- Finalidade 3: formar o aluno para a vida – que vem acompanhada de duas possíveis visões, discutidas nos parágrafos a seguir.
Uma das possíveis visões decorrentes da finalidade 3 é:
“Na nossa escola, formar para a vida é o mais importante, e isso é incompatível com a pressão absurda que o vestibular coloca nesses alunos. Abrimos mão de taxas altas de aprovação em cursos concorridos em nome da nossa proposta. Nosso ensino é sério, mas não fazemos ‘vestiterrorismo’, deixamos cada um escolher a carreira e o caminho que quer trilhar.”
Digamos que esta seja a fala do Diretor X. Pode ser que ele realmente acredite em cada uma dessas palavras, no entanto, há situações em que essa priorização do desenvolvimento de outras habilidades que não as das áreas de conhecimento, ocorre como uma certa justificativa a um desempenho aquém do esperado pela comunidade da escola nessa áreas.
A história nos mostra que isso pode acontecer: quando o ENEM foi criado, em 1998, como uma prova de habilidades e competências, muitas instituições adotaram este discurso - “finalmente uma prova que entende o excelente trabalho que fazemos aqui, desenvolvendo as aprendizagens dos conteúdos para seu uso social”. No entanto, quando o ENEM começou a fazer um ranking de escolas em 2005, no qual se observou o óbvio (os primeiros do ranking baseado em provas serão os mesmos que conquistam os primeiros lugares em outras provas), os "finalmente compreendidos pelo ENEM" romperam com o exame nacional. Em síntese, a visão do Diretor X pode ser simplificada numa desigualdade matemática: desenvolvimento de habilidades socioemocionais > ensino da “matéria”.
Vamos pensar num Diretor Y, cujo discurso a partir da finalidade 3 é:
“Na nossa escola achamos muito importante o desenvolvimento das habilidades socioemocionais, pois queremos preparar os alunos para a vida. Nossa 3ª série, por exemplo, tem sempre uma palestra na última quinta-feira do mês, no fim da tarde, logo depois da oficina de redação. Discutimos com os alunos bullying, falamos de orientação vocacional, fazemos orientações sobre álcool e drogas e trazemos palestrantes das faculdades para falarem da vida profissional nos diferentes cursos.”
Habilidades para a vida em uma palestra por mês, sério mesmo? É claro que estou fazendo uma caricatura didática e o leitor mais idealista que me perdoe por isso, mas o exemplo é válido para o conceito: trata-se de um misconception, quando subentendemos algo e subestimamos seu significado. O Diretor Y não pensa exatamente com a finalidade 2, que é colocar as habilidades socioemocionais a serviço da aprendizagem, nem com a finalidade 1, que nega sua importância. Ele simplesmente confunde habilidades socioemocionais com a ideia de atividades extracurriculares esporádicas. Para ele, habilidades socioemocionais <<<<< ensino da “matéria”.
Ninguém gosta de vestir a carapuça de uma caricatura, nem de um lado, nem do outro das inequações matemáticas apresentadas acima. Então, caro leitor, que agora espero se identifique com o Diretor Z (que é aquele que adere à finalidade 3 e genuinamente acredita na importância de desenvolver habilidades socioemocionais para a vida do aluno), convido você a fazer uma reflexão muito honesta e profunda sobre seu contexto escolar, com base em algumas perguntas:
- Como estão documentadas no currículo as habilidades socioemocionais? A escola tem uma matriz para elas como tem para as áreas de conhecimento?
- Qual o investimento que a escola faz nessa área?
- Como é a estrutura de coordenação para essa parte? A escola tem coordenadores, orientadores ou supervisores como tem para organizar o ensino?
- Os alunos de cada série conhecem as habilidades socioemocionais cujo desenvolvimento está pautado para aquele ano letivo no currículo da escola?
- Os professores das áreas de conhecimento entendem o desenvolvimento das habilidades socioemocionais como parte de seu papel com os alunos? (É amigo leitor Diretor Z, sei que não é fácil fazer com que o que você tem na sua cabeça aconteça efetivamente em todas as suas salas de aula... os professores também têm sua autonomia intelectual e opiniões fortes!)
- Como a escola está formando os professores para o desenvolvimento socioemocional dos alunos?
- Em que situações os alunos têm real autonomia para tomar decisões e fazer escolhas na escola?
- Como a escola avalia as aquisições dos alunos nas habilidades socioemocionais?
Puxa, para não se tornar uma caricatura, há que se fazer esse milagre todo do dia para a noite? Bem, as palavras destacadas no nosso primeiro parágrafo para qualificar o desenvolvimento das habilidades socioemocionais foram intencional e sistemático. Isso exige tempo e preparo.
Não é necessário infligir a a síndrome do impostor a ninguém. Há muito o que fazer, a estrada é longa, e pode ser dado um passinho de cada vez: pode não ser ruim começar por habilidades metacognitivas, que favoreçam as aprendizagens, sem que tudo se resuma a isso.
O estudo e a implementação da BNCC nos segmentos iniciais também contribuem para este processo, pois nem tudo o que ela contém são conhecimentos propedêuticos.
Além disso, avaliar algumas dessas habilidades também pode ser um bom ponto de partida!