Parte 2: como avaliar
Este texto dá continuidade à reflexão feita na parte 1 sobre a necessidade de se desenvolver habilidades metacognitivas, inclusive no sentido de promover mudanças de comportamentos contraproducentes dos alunos (procrastinação e desengajamento). Nessa 2ª parte, discutimos as práticas avaliativas dessas habilidades e, na 3ª parte, o feedback, ambas ferramentas para o professor gerar efetivos ganhos de aprendizado.
Professores experientes normalmente desenvolvem ao longo de sua trajetória docente estratégias para:
Portanto, essencialmente, não estamos falando aqui de algo que alguém acabou de inventar, mas sim da sistematização da linguagem e de práticas cujo entendimento serve para potencializar o trabalho do professor que transcende a aquisição dos conteúdos e habilidades cognitivas no seu trabalho. Serve também para despertar o interesse para o desenvolvimento das habilidades metacognitivas naqueles que entendem que seu papel se resume a “dar a matéria”. Não se faz aqui qualquer juízo de valor, mesmo porque habilidades metacognitivas podem ser bem desenvolvidas em salas de aula em que o professor simplesmente “dá a matéria” muito bem “dada”.
O primeiro passo para um professor conseguir avaliar habilidades metacognitivas é reconhecer sua existência nos alunos. Parece óbvio, mas não é.
Quando ignoramos tais habilidades, tendemos a explicar o que observamos de outra maneira. Por exemplo, consideremos a ansiedade em relação a avaliações, que compõe a motivação para a aprendizagem, conforme modelo apresentado neste link. Um professor pode perceber alunos nervosos numa situação de avaliação e interpretar que estão assim porque não estudaram o suficiente. No entanto, este comportamento diz respeito à expectativa de resultado. Ou seja, o que abala emocionalmente o aluno no momento da avaliação, gerando o famoso “branco na hora da prova”, não é o fato de ele ter estudado pouco (necessariamente), mas a grande preocupação que ele tem com um possível resultado negativo, e ele pensa sobre isso intensamente ao longo da avaliação.
Um aluno que continuamente se distrai durante uma aula pode ter a autorregulação, que compõe as estratégias para aprendizagem, pouco desenvolvida, e um professor pode perfeitamente interpretar que é o celular que faz o aluno se distrair. A causalidade pode ser reversa, ele vai para o celular porque deixou de acompanhar a aula e não deixa de acompanhar a aula por causa do celular. É claro que não temos acesso ao estado mental do aluno para sabermos exatamente o que aconteceu primeiro, mas conhecer as habilidades metacognitivas nos ajuda, no mínimo, a pensar que existem duas possibilidades.
Como saber, então, o que acontece?
O professor pode avaliar com seus alunos tais habilidades, explicando-as para eles e discutindo com a turma o seu significado. Procurando no Google por MSLQ, é possível encontrar o instrumento original desenvolvido pelos pesquisadores Paul R. Pintrich e Elisabeth V. De Groot, bem como outras versões adaptadas à educação básica.
No entanto, o professor ou a escola podem também criar seus próprios instrumentos avaliativos. Pode ser até um roteiro ou protocolo para uma roda de conversa com os alunos. Por exemplo, para ansiedade em relação a avaliações, o professor pode usar perguntas como as seguintes, para conduzir um bate-papo com uma turma:
É claro que o professor precisa de um pequeno preparo prévio para fazer isso, antecipando questões que podem ser mal compreendidas pelos alunos. Eles podem achar que o professor quer saber de sugestões para ele mudar o jeito de fazer prova. Para evitar este tipo de encaminhamento, pode-se deixar claro, no começo da conversa, que o objetivo é compreender como cada aluno se sente numa avaliação, não mudar as avaliações. Deve-se também considerar que os mais propensos à ansiedade em relação a avaliações podem ser aqueles que terão mais dificuldades de falar sobre isso, ainda mais se sentirem que a conversa tem algum caráter avaliativo.
Outro caminho, talvez mais institucional para a escola, é formalizar um processo periódico de avaliação dessas habilidades. Nesse caso, o caminho mais indicado é a constituição de uma rubrica de avaliação e de um processo formativo dos professores para a utilizarem. Tal instrumento é composto por indicadores descritivos de comportamentos observáveis dos alunos, que detalhem em níveis as habilidades avaliadas. O quadro abaixo apresenta um pequeno exemplo, com dois níveis para uma habilidade.
Construir rubricas não é uma ciência exata. Provavelmente uma análise um pouco mais alongada do exemplo acima levará o leitor a constatar que pode ter alunos num nível intermediário, algo como “em desenvolvimento”.
Mas é justamente essa a ideia, a instituição e/ou o professor produzirem descrições objetivas de comportamentos que podem evidenciar o nível de cada habilidade.
O resto se resume a definições mais operacionais (quando avaliar, quantas vezes, como tabular as informações etc.).
Há ainda outros possíveis caminhos, por avaliações padronizadas, por exemplo. Constata-se que, ao conhecer melhor as habilidades metacognitivas para avaliá-las, os professores naturalmente já começam a traduzir este conhecimento em ações que promovem o seu desenvolvimento. Contudo, o avanço dos alunos pode ser muito mais se a partir da avaliação houver uma sistemática de devolutivas, ou feedback, o que é assunto no nosso 3º texto desse conjunto.
Tadeu da Ponte
CEO da Primeira Escolha