A Matemática e a equidade de gênero (parte 1)

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No dia 08 do mês de março, comemoramos o Dia Internacional da Mulher. Mais que comemorar, entretanto, o movimento feminista alerta para a necessidade de usar a data para chamar atenção para os diversos problemas enfrentados pelas mulheres mundo afora: a violência doméstica, o assédio sexual, a sobrecarga de tarefas, a desigualdade de oportunidades e de remuneração no trabalho  etc. Há quem diga que é “mimimi”, mas qualquer um que saiba ler as estatísticas relacionadas a essas temáticas entenderá o tamanho do desafio que temos pela frente na busca por um real avanço civilizatório.

    Aqui, vamos enfocar aquilo que se convencionou chamar, nos últimos tempos, de equidade de gênero, que, grosso modo, é a distribuição justa e imparcial de tratamento e de  oportunidades para homens e mulheres. A iniquidade de gênero, que é o que predomina, é um problema multifacetado, que envolve aspectos culturais presentes na maior parte das sociedades.  Problemas dessa natureza não costumam ter uma solução única, mas, antes, precisam ser enfrentados em múltiplas frentes. Então, neste texto, de forma modesta, pretendemos explorar a questão: qual é o papel que a Matemática escolar pode desempenhar na promoção da equidade de gênero?

Geralmente, a discussão de problemas de ordem social é vista como sendo pertinente apenas às disciplinas da área de humanidades. Nesse sentido, pode-se discutir a importância da inclusão da temática nas componentes curriculares de História, Atualidades, Sociologia, Geografia etc. Mas o aprofundamento da reflexão nos leva a constatar que, de forma mais indireta, mas nem por isso menos profunda, todas as componentes curriculares podem contribuir para o enfrentamento de problemas sociais. Isso porque, em cada uma delas, não estão apenas os conteúdos disciplinares, mas também crenças e práticas particulares, que podem reproduzir ou alterar as dinâmicas sociais que têm lugar fora da escola.

Para a pesquisadora inglesa Jo Boaler (2018), há uma crença dominante a respeito da Matemática, que é, geralmente, “representada como uma disciplina muito difícil, desinteressante, inacessível e apenas para os ‘nerds’; ela não é para pessoas legais e encantadoras, e não é para meninas” (grifo nosso).

O fato de que circule uma crença como essa – “a Matemática não é para meninas” – é, ao mesmo tempo, um fator que reflete a iniquidade de gênero e que também ajuda a perpetuá-la.  Ajuda a perpetuá-la porque já se sabe que os estereótipos têm muita influência no aprendizado.  Boaler (2018) nos dá notícia de que “O conjunto de trabalhos sobre ‘ameaça do esteriótipo”, liderado por Claude Steele, mostra claramente o dano causado por ideias estereotipadas. Steele et al. (2011) mostraram que, quando meninas receberam a mensagem de que um teste de matemática resultava em diferenças de gênero, elas tinham desempenho inferior, ao passo que meninas que não recebiam  tal mensagem apresentavam o mesmo desempenho que os meninos no mesmo teste.” (p. 91)

Como professora de Matemática, tive diversas oportunidades de verificar empiricamente a presença desse estereótipo ou seus danosos efeitos, como, por exemplo, quando fui convidada para dar aulas para os alunos medalhistas da OBMEP (Olímpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), em 2015: as meninas estavam claramente subrepresentadas; estimo que correspondiam a aproximadamente 20% do grupo.

O que podemos fazer a respeito? Talvez não seja suficiente, mas, em primeiro lugar, é certamente necessário encorajar as meninas, como um modo de ação afirmativa.

Uma pesquisa, em 2009, constatou algo muito interessante: que os níveis de ansiedade das professoras do ensino fundamental com relação à matemática são capazes de predizer o desempenho das meninas de suas turmas, mas não o dos meninos (Beilock et al., 2009, apud Boaler, 2018). Ora, isso nos sugere algo bastante razoável: as meninas com frequência se identificam com suas professoras e quando elas expressam ideias negativas ou insegurança relativa à Matemática, o impacto é muito negativo para as alunas. Uma pesquisa anterior, de 1986, constatara algo similar: quando as mães dizem às suas filhas que “não eram boas em Matemática na escola”, o desempenho dessas meninas em Matemática diminui. (Eccles; Jacobs, 1986, apud Boaler, 2018).

 A partir dessas constatações, podemos concluir que as mulheres que ensinam Matemática podem ter um papel muito importante no encorajamento das meninas com relação à Matemática, não apenas com palavras, mas por meio do exemplo, constituindo uma possível referência para as meninas ao expressar de modo positivo sua própria relação com esse campo do saber. Para tal, precisam empreender uma revisão de sua própria relação com a Matemática.

Obviamente, isso não significa depositar sobre as professoras mulheres a responsabilidade pela transformação. Família e educadores em geral precisam ficar atentos para não reproduzir ideias estereotipadas que desestimulem as meninas com relação à Matemática. Geralmente, isso só pode ser feito a partir de uma real transformação na forma de encarar a disciplina e o potencial das mulheres.

 

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Aline dos Reis Matheus 
Diretora Educacional Academia Primeira Escolha

 

 

Referências:
BOALER, J. Mentalidades matemáticas: estimulando o potencial dos estudantes por meio da matemática criativa, das mensagens inspiradoras e do ensino inovador. Porto Alegre: Penso, 2018.

 

 

 

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